Onze de setembro: uma reflexão.

Por Bruno Henz Biazetto[1]

Essa data é sempre um momento de um certo repensar para todos os que trabalham na área de humanas, principalmente aos que interessam pelos temas relacionados a política internacional. Eu, sendo um americanista e vivendo nos Estados Unidos neste exato momento, o senso de analise fica mais aguçado. Para esta breve analise eu gostaria de fazer duas considerações que me parecem bastante apropriadas para este momento. A primeira reside no papel histórico de um dos protagonistas do episódio, o ex-presidente George W. Bush. A segunda é refletir um pouco sobre as previsões para este século que foram feitas no pós 11/09, e como elas nos parecem hoje, em 2011.
            Em maio deste ano, o canal de televisão a cabo National Geographic entrevistou o ex-presidente George W. Bush, tendo em vista a montagem de uma série de depoimentos de protagonistas no dia dos atentados. Essa entrevista foi ao ar no final do mês passado e teve grande repercussão aqui nos Estados Unidos. Ainda para mim e nítida a imagem de um Bush desafiador, discursando do Salão Oval na noite após os atentados. Naquele instante, ele tentou emular o mesmo tipo de retórica do discurso de Franklin Roosevelt após o ataque a Pearl Harbor em dezembro de 1941. O discurso simbolizava ao mesmo tempo o lamento da tragédia americana e a exortação a justiça dos que praticaram uma agressão a uma nação que se percebe como portadora dos mais nobres ideais do mundo ocidental.
            Bush sempre gostou de pensar a si mesmo como um homem de ação e, não de reflexão. Dentro dessa ideia de que agir era o que realmente contava e na certeza da justiça de sua causa, ele ordenou a derrubada do governo Talibã no Afeganistão, a caçada global a rede AlQaeda e imposição de pressão constante sobre regimes considerados antiamericanos. Dez anos depois, duas guerras, 4 trilhões de dólares, 7.8 milhões de refugiados no Iraque e no Afeganistão e 140.000 mortos entre civis e militares dos países envolvidos, o Bush do depoimento é um homem marcado pelas decisões que tomou.
            Hoje vivendo em subúrbio de Dallas, cobrando mais de US$ 100.000 por palestra, o ex-presidente é um homem assombrado pelas ações de sua presidência. Em seu depoimento para a NetGeo, não estava ali mais o homem cuja principal característica era a famosa bravata texana (swagger). Ali estava um homem envelhecido, prostrado e com um tom de voz baixo e moderado, que parecia refletir profundamente sobre o seu papel no episodio e nas consequências dos seus atos. Após uns cinquenta minutos, veio o que poderia se dizer que foi o ápice da entrevista, onde ele afirmou que ele tinha chegado ao poder para ser um presidente de questões domésticas, mas que as circunstâncias o transformaram em um presidente de guerra. E, que se ele pudesse ter escolhido, preferia nunca ter sido um presidente voltado para a Guerra ao terror.
            Sei que pode ser difícil acreditar em arrependimento genuíno, mas talvez essa tenha sido a mais reveladora entrevista de um presidente americano desde a legendária entrevista de Richard Nixon com David Frost, em meados dos anos 70. É muito raro um presidente americano ter um momento de revelação tão intenso e a entrevista de Bush me parece que foi um destes momentos.
            Me parece que o seu pesar na entrevista foi agravado pelo fato de que o ato final de sua presidência foi o de empurrar os Estados Unidos para uma das maiores crises econômicas de sua historia. E isso me conduz ao segundo ponto, que são as previsões que foram feitas há dez anos. Lembro que muito se falou que o novo século seria marcado pela chamada “Guerra ao Terror”. Não faltaram intelectuais de diferentes correntes defendendo essa tese, de que o ataque marcaria o início do grande choque de civilizações, apresentado por Samuel Huntington nos anos 90.
            Na verdade, o que o ataque de 11/09 fez foi apenas acelerar o processo que é a verdadeira grande historia do século XXI, que é a ascensão dos emergentes e a mudança do eixo econômico mundial. Nesse sentido, como foi pontuado pela revista The Economist, Osama Bin Laden obteve êxito. Ao arrastar os Estados Unidos para duas guerras de atrito no Oriente Médio, os americanos perderam o foco nas questões econômicas e na tão necessária adaptação aos novos competidores do século XXI. Por isso, que nessa hora eu não invejo os colegas das Relações Internacionais, que tem que interpretar os eventos no instante em que eles ocorrem. O passado, mesmo com suas idiossincrasias, ainda é um refugio onde o historiador pode ter o tempo que quiser para elaborar as suas inquietações intelectuais.
            Por fim, o processo iniciado pelos ataques terroristas em Nova York e Washington há dez anos, ainda esta inacabado. Contudo, a lição clara que fica é a de que na condução dos assuntos nacionais, decisões baseadas apenas em instinto geralmente causam grandes equívocos. A complexidade do Estado exige de um presidente o equilíbrio entre firmeza e a reflexão, algo que Barack Obama parece entender melhor do que Bush. Mas ainda assim, isso não será suficiente para reverter o grande processo que iniciou a dez anos que hoje se transformou em uma árdua luta pela hegemonia, que moldará o nosso tempo de maneira que ainda não podemos perceber.


[1] Licenciado, bacharel e mestre em História pela PUCRS. Doutorando em História pela Universidade de Georgetown, nos EUA.

Nenhum comentário:

Postar um comentário