O que é arte contemporânea?

Por Martinho Junior [1]

A pergunta certamente é capciosa e não carece de resposta, mas de outras indagações. De fato, quando pensamos, grosso modo, sobre arte contemporânea automaticamente uma pletora de imagens as mais diversas povoam nosso imaginário: Urubus voando em um enorme viveiro, espaços vazios, vapores, telas dilaceradas, corpos dilacerados, animais e mesmo artistas mortos. É um vale tudo? Sim e não. Sim, todos os materiais, todos os questionamentos são possíveis: luz, aço, carne; filosofia, semiótica, matemática. Não, nada daquilo fora da gramática da ‘arte contemporânea’ pode ser lida como arte. Alguns exemplos marcantes: Qual é hoje o espaço que a pintura possui? Claro que ela existe ainda. Pintura de qualidade e inventiva. Mas seu espaço é relativamente pequeno frente aos tantos outros modos que vimos nascer com o modernismo. Portanto, depois de colagens, rasgos, tiros e outras tantas intervenções, por que continuar insistindo em um meio desgastado? Proclama-se a morte da pintura, mas, sua reinvenção nunca cessou de acontecer.
Qual é o papel do belo hoje? Claro que podemos questionar, assim como Ronaldo Brito, que para pensar o belo ou o novo, somente recriando seus significados. Porém, insisto: o que é o belo hoje? A atenção, certamente é menor a algo que sempre fora inerente a construção artística. Mas há um exemplo que vai ao cerne destes questionamentos.
Em 2003, Regina Silveira, em uma grande intervenção do Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo, realizou a mostra Claraluz. Nela, o imaterial e fugidio eram preponderantes, já que o elemento principal era a luz. A claraboia do CCBB, única fonte de luz natural do prédio é anulada pela artista, e no eixo fulcral da exposição um potente projetor reproduz fortemente a imagem da claraboia, desta vez fragmentada como que estilhaçada no chão.
Ora, uma obra como esta se sustenta, sobretudo no diálogo: no diálogo que mantém, claramente com o edifício histórico do centro velho de São Paulo; no diálogo com o entorno, o próprio centro e no diálogo com a arte contemporânea, seja da artista ou em um âmbito mais geral. Contudo, o que interessa neste momento é perceber o espectador naquele lugar. Visto do lado externo, o prédio estava ‘apagado’ sem nenhuma luz e mesmo assim aberto. Ao se aproximar, o espectador é tragado pela obra: uma forte luminosidade cristalina, dourada que banha o centro do edifício. A obra funcionava na medida em que o observador andava pelo hall, sua sombra também era partícipe desses elementos. De uma elegância e beleza difíceis de transcrever, pois era uma obra, antes de tudo, de vivência, viver a/na obra.
Aspecto difícil de classificar, mas moeda corrente na arte hoje. A imersão na imagem – não como entrar em uma performance ou em uma grande instalação – mas literalmente fazer parte da imagem. O próprio discurso dos artistas vai se alterando consideravelmente com o passar dos anos, seus pensamentos acompanham suas obras: se na década de 70, em que a regra era a arte conceitual um artista falava ‘minha arte não é popular, porque demanda de conceitos’ etc. etc. etc. Hoje, não raramente encontramos os mesmos artistas dizendo ‘cada qual enxerga e aproveita a obra de uma determinada visão’. Os conceitualismos caíram em desuso, assim como sucessivamente todos os “novos” que aparecem. Novos modos, conceitos – embora, muitas vezes equivocados – surgem.
Mas há uma resistência válida: se a arte hoje pode ser múltipla e heterogênea ela não pode, paradoxalmente, negar qualquer que seja sua forma de apresentação. Então, na marginalidade (ou seja, que margeia), artistas começam a criar elementos poderosos daquilo que, a rigor, não mais se faz hoje. Por certo, vivemos em um período transitório, conturbado, mas que daqui e aqui sairá frutos importantes para outro tipo de arte, um outro tipo de novo, de contemporâneo.


[1] Martinho Junior é autor de Regina Silveira, CCBB e seus espectadores, Bluecom, 2009. Doutorando em História da Arte pela UNICAMP, pesquisador do Centro de História da Arte e Arqueologia.

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