Fórum Social Temático 2012



É incrível a capacidade de reunião de diversas nacionalidades que o Fórum sediado em Porto Alegre propõe. Esse fórum social temático tem proporções do Fórum Social Mundial, e com certeza colocará em questão o retorno do evento principal a sua cidade fundadora. No entanto, no que diz respeito a temática do fórum poderíamos resumi-lo em: "O que fazer?".

É difícil compreender como a crise mundial que se arrasta desde os idos de 2008 continua sendo tratado como um tema recente, ainda não explorado, como se o ano de 2011, intenso em termos de debates e conflitos, não tivesse passado. A crise mundial é geralmente tratada em termos gerais, nos quais poderiam ser facilmente lidos já em 2008. Trata-se de uma crise de ciclo do capitalismo, de proporções sistêmicas, e coloca-se em cheque o estado de coisas propostas pela forma de organização social capitalista. Se pararmos para pensar friamente, essas questões não são "novas", elas caminham conosco desde 1990, quando o sistema capitalista deu seus primeiros sinais de uma crise extrema. No entanto, parece que a colocação de tópicos e nossas discussões propostas como temas nos fóruns não tem avançado junto com a crise. Vários pontos importantes vividos mundialmente no ano passado, (repito: ano passado, um passado recentíssimo, que deveria estar fresco na memória de todos) não estão sendo abordados da forma como deveriam dentro do fórum.

Um exemplo gritante da nossa incapacidade analítica momentânea pode ser ilustrada com o seminário promovido pela Carta Capital, no dia de hoje 26 de janeiro de 2012, no Auditório da Escola Superior da Magistratura. Apesar dos grandes nomes que compunham a mesa, tais como Ignácio Ramonet (diretor do Le Monde Diplomatique da França) e Luiz Belluzzo, que trataram da história recente de maneira perspicaz, falhou em responder o questionamento central proposto pelo debate: "quais os rumos da esquerda no século XXI?". Para responder essa questão fundamental, é preciso retomar todos os importantes movimentos da crise, como foi brilhantemente apontado pelos palestrantes, mas faltou o resgate das movimentações sociais ocorridas a partir da crise. A crise econômico-financeira, do capital especulativo e o fim de um ciclo capitalista também tem suas repercussões importantes no âmbito político. A ironia máxima vivida pela palestra foi que todos da mesa, economistas em formação, apontaram que a crise é antes POLÍTICA, e em nenhum momento abordaram os aspectos latentes referentes ao espectro político como os movimentos sociais.

Para encontrar uma resposta tanto procurada pelo Fórum ("um novo mundo é possível"?) é importante sim o debate coletivo, mas ele deve ser direcionado para que os grupos discutam as formas de movimentos sociais que estão sendo gerados pela crise. Occupy Wall Street e o próprio movimento hacker promovido por Anonymous são novas formas de manifestação, que devem ser estudadas para além dos seus ganhos e repercussões imediatas de seus atos. Anonymous, por exemplo, pode não ser um movimento hacker muito efetivo, pode ser que derrubar os sites do FBI não signifique muita coisa, que seja "fácil" como alguns dizem e que eles não guardem informações substanciais no site para que um ataque possa colher informações valiosas. Mas é preciso pensar nesse movimento para além de suas atitudes mecânicas de manifestação. Derrubar sites como o FBI provavelmente foi realizado apenas para mostrar que o movimento existe e que eles podem causar certo estrago se leis como o SOPA e o PIPA continuarem tramitando no congresso dos EUA. No entanto, a imagem simbólica do movimento é o ponto central da ação, e não a derrubada do site. O nome "anônimo", a máscara ou a falta de rosto em algumas imagens é um instrumento poderoso de manifestação, e comporta o aspecto central do nosso cotidiano. A contra cultura hoje é anônima, sem rosto, o que suscita que pode ser qualquer um, em qualquer lugar. Isso pode ser visto como uma arma extremamente poderosa em termos de movimentação social e remete a falta de direcionamento e respostas que a esquerda vive desde o término da URSS. A movimentação hoje é real, mas não definida. O inimigo, ou amigo, pode ser qualquer um de nós. Isso já foi elaborado por teorias militares, como o inimigo interno das Ditaduras de Segurança Nacional, que poderiam potencialmente ser qualquer um da sociedade. Mas hoje esse mesmo conceito é utilizado pelos manifestantes, por opção, quebrando as fronteiras da nacionalidade. O Anonymous é essencialmente internacional e desconhecido.

É para detalhes como esses que deveremos ficar atentos e é para os movimentos sociais que devemos olhar. Como a massa reage pode ser o início da resposta que a esquerda tanto procura.



Texto "Identidades vazias", de Slavoj Zizek



Eleger a internet como exemplo democrático é esconder diferenças sociais, institucionais e psicológicas entre as vidas “real” e “virtual”

Na edição de 25 de dezembro da revista “Time”, o prêmio tradicional de “Pessoa do Ano” não foi concedido a Mahmoud Ahmadinejad [presidente do Irã], Kim Jong-Il [ditador norte-coreano], Hugo Chávez [presidente venezuelano] ou qualquer outro membro da gangue dos usuais suspeitos, mas a “você”: a todos e a cada um de nós… usuários e criadores de conteúdo na web. A capa mostra um teclado branco com um espelho para uma tela de computador onde cada um de nós, leitores, pode ver seu reflexo. Para justificar a escolha, os editores mencionaram a transição das instituições para os indivíduos, que estão ressurgindo como cidadãos da nova democracia digital.
Há coisas que os olhos não conseguem ver, nessa escolha, e em um sentido mais amplo do que o comum nessa expressão. Se algum dia já houve uma escolha ideológica, esse é um caso que merece perfeitamente a classificação: a mensagem -uma nova democracia cibernética na qual milhões podem se comunicar e organizar diretamente, contornando o controle estatal centralizado- encobre uma série de brechas e tensões perturbadoras.
A primeira e mais evidente das ironias é que cada pessoa que olhe a capa da “Time” não verá as demais pessoas com quem supostamente se relaciona diretamente, e sim um reflexo de sua própria imagem. Não admira que Leibniz [1646-1716] seja uma das referências filosóficas preferenciais dos teóricos do ciberespaço: afinal, a imersão das pessoas no ciberespaço não se enquadra perfeitamente à nossa redução a uma mônada leibniziana que, embora “sem janelas” capazes de se abrir diretamente para as realidades externas, espelha em si mesma todo o universo?
Será que o típico internauta atual, sentado sozinho diante da tela de seu computador, não representa mais e mais uma mônada sem janelas diretas para a realidade, envolvido apenas com simulacros virtuais, e no entanto mais e mais imerso na rede mundial, e se comunicando de maneira sincrônica com todo o planeta?
Uma das mais recentes modas entre os radicais do sexo são as maratonas de masturbação, eventos coletivos nos quais centenas de homens e mulheres se autopropiciam satisfação sexual para fins de caridade. A masturbação cria uma coletividade a partir de indivíduos dispostos a compartilhar uns com os outros… o quê?
O solipsismo de uma diversão estúpida. Seria possível propor que as maratonas de masturbação são a forma de sexualidade que se enquadra de maneira mais perfeita às coordenadas do ciberespaço.
Mas isso é apenas uma parte da história. O que se torna preciso acrescentar é que o “você” que se reconhece enquanto imagem em uma tela padece de uma profunda divisão: eu jamais me limito a ser a persona que assumo na máquina. Primeiro, existe o (bastante evidente) excesso do eu como pessoa corpórea “real” além da persona virtual.

Ética virtual

Os marxistas e outros pensadores de inclinações críticas gostam de apontar para o fato de que a igualdade do ciberespaço é enganosa -ela ignora todas as complexas disposições materiais (meu patrimônio, minha posição social, meu poder ou falta dele etc.). A inércia da vida real desaparece magicamente na navegação pelo ciberespaço, desprovida de fricção. No mercado atual, encontramos toda uma série de produtos privados de suas propriedades malignas: café sem cafeína, creme sem gordura, cerveja sem álcool… ciberespaço. A realidade virtual simplesmente generaliza esse procedimento: cria uma realidade privada de substância. Da mesma maneira que o café descafeinado tem cheiro e gosto semelhantes aos do café sem ser café, minha persona na rede, o “você” que vejo lá, é sempre um “eu” descafeinado. Por outro lado, existe também o excesso oposto, e muito mais perturbador: o excedente de minha persona virtual com relação ao meu “eu” real. Nossa identidade social, a pessoa que presumimos ser em nosso intercurso social, já é uma máscara, já envolve a repressão de nossos impulsos inadmissíveis, e é precisamente nessas condições de “só uma brincadeira”, quando as regras que regulam os intercâmbios de nossas vidas reais estão temporariamente suspensas, que podemos nos permitir a exibição dessas atitudes reprimidas.
Basta lembrar do mitológico sujeito tímido e impotente que, participando de um jogo virtual interativo, adota a identidade de um assassino sádico e sedutor irresistível. Seria simples demais afirmar que essa identidade é apenas um suplemento imaginário, uma fuga temporária de sua impotência na vida real. Na verdade, o que importa é que, porque ele sabe que o jogo virtual é “apenas um jogo”, ele se sente capaz de exibir “seu eu real”, fazer coisas que nunca fez em interações reais -sob a capa de uma ficção, a verdade sobre ele se articula.
O fato mesmo de que eu perceba minha auto-imagem virtual como simples brincadeira me permite, assim, suspender os obstáculos que usualmente impedem que eu realize meu “lado escuro” na vida real -meu “id eletrônico” ganha asas, dessa forma. E o mesmo se aplica aos meus parceiros na comunicação via ciberespaço. Não há como ter certeza de quem sejam, de que sejam “realmente” como se descrevem, ou de saber se existe uma pessoa “real” por trás da persona on-line. A persona on-line é uma máscara para uma multiplicidade de pessoas? A pessoa “real” com quem converso possui e manipula mais personas no computador, ou estou simplesmente me relacionando com uma entidade digitalizada que não representa pessoa “real” alguma?

Existência sublimada

Para resumir, “interface” quer dizer exatamente que minha relação com o outro nunca acontece face a face, que sempre há a mediação de uma maquinaria digital interposta cuja estrutura é labiríntica: eu “navego”, eu me perco sem muito rumo nesse espaço infinito onde mensagens circulam livremente sem destino fixo, enquanto seu Todo -esse imenso circuito de murmúrios- continua para sempre além do escopo de minha compreensão. O obverso da democracia direta do ciberespaço é essa caótica e impenetrável magnitude de mensagens e seus circuitos, que nem mesmo o maior esforço de minha imaginação é capaz de compreender -o filósofo Immanuel Kant [1724-1804] teria classificado o ciberespaço como “sublime”.
Pouco mais de uma década atrás, havia um brilhante comercial inglês de cerveja. A primeira parte reproduzia a conhecida história de uma moça que caminha ao longo de um riacho, vê um sapo, o toma nas mãos e beija, e o sapo miraculosamente se transforma em príncipe. Mas a história não acabava assim. O jovem olhava a moça de um jeito cobiçoso, a tomava nos braços, a beijava e ela se transformava em uma garrafa de cerveja, que ele exibia em um gesto triunfante.

Assombração na rede

A moça fantasiava sobre um sapo que na verdade era príncipe, o rapaz sobre uma moça que na verdade era uma garrafa de cerveja: para a mulher, seu amor e afeto (sinalizado pelo beijo) poderiam fazer de um sapo um príncipe, enquanto para o homem, tudo não passa de um esforço para reduzir a mulher ao que os psicanalistas designam como “objeto parcial” -aquilo que, em você, me faz desejar você (é claro que um argumento feminista óbvio seria que as mulheres, em sua experiência amorosa cotidiana, em geral experimentam a passagem oposta: beijam um belo jovem e, quando o vêem de perto, ou seja, tarde demais, descobrem que ele é um sapo…).
O casal real de homem e mulher, portanto, vive assombrado por essa bizarra figura de um sapo abraçando uma garrafa de cerveja. O que a arte moderna propicia é exatamente esse espectro subjacente. É perfeitamente possível imaginar um quadro do pintor surrealista Magritte no qual um sapo abraça uma garrafa de cerveja, com um título como “Homem e Mulher” ou “Casal Ideal” (a associação com a famosa cena surrealista do burro morto ao piano [do filme "O Cão Andaluz"] fica completamente justificada, nesse caso).

É essa a ameaça do ciberespaço e de seus jogos, no plano mais elementar: quando um homem e uma mulher interagem nele, podem se ver assombrados pelo espectro do sapo que abraça a cerveja. Já que nenhum dos dois está consciente disso, as discrepâncias entre o que “você” realmente é e o que “você” aparenta ser no espaço digital podem resultar em violência homicida.
SLAVOJ ZIZEK é filósofo esloveno e autor de “Um Mapa da Ideologia” (Contraponto). Ele escreve na seção “Autores”, do Mais!. Tradução de Paulo Migliacci.

Texto Retirado de: Folha de São Paulo Online - http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0701200715.htm

Fiquem Atentos ao "SOPA"

A Lei de Combate Contra a Pirataria (o "SOPA", "stop online piracy act") está causando uma série de protestos ao redor do mundo. A Wikipedia americana anunciou que ficará fora do ar por 24 horas como forma de protesto ao projeto de lei.

O projeto de lei, de autoria do representante Lamar Smith, junto com um grupo bipartidário de 12 representantes, visa num primeiro momento proteger o mercado de propriedade intelectual contra a pirataria. Essa lei afetaria sites como o Wikipedia e a Google, sites que veiculam informações pela internet (blogs como o nosso também seriam afetados), além de atingir diretamente os downloads de filmes e músicas. Esse projeto de lei está sendo visto como uma afronta a Primeira Emenda Americana (liberdade de expressão) e abre novas plataformas de censura, como a regulação de informação compartilhada pela internet.

Diversos sites apresentam suas preocupações e protestos. No Brasil, 300 sites protestaram contra o projeto de lei, entre eles o site do ex-ministro da cultura Gilberto Gil e o Instituto de Defesa do Consumidor, todos eles postando a seguinte imagem:















Além do SOPA existe ainda o PIPA (Protect Intellectual Property Act), outro mecanismo de regulação de compartilhamento de informações. Os protestos estão tão generalizados na web que até o site do Turma da Mônica manifestou seu repúdio a lei de antipirataria...

Veja também:

"O STF não sabe o que é história"

Olá pessoal,

A Revista Oficina do Historiador repassa as informações veiculadas pela Associação Nacional de História (ANPUH) no dia de hoje, sobre a determinação do Ministro Cezar Peluso com relação a documentação do Supremo Tribunal Federal. Consideramos a divulgação da carta da ANPUH de suma importância a todos os historiadores. A carta está em pdf para baixar no site da Associação.
Segue o que consta no site e o endereço eletrônico:

""Notícias

O STF NÃO SABE O QUE É HISTÓRIA

17/01/2012

O Ministro Cezar Peluso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), promulgou, em 29 de novembro de 2011, a Resolução No 474 que "estabelece critérios para atribuição de relevância e de valor histórico aos processos e demais documentos do Supremo Tribunal Federal". O documento causa perplexidade aos historiadores e a todos aqueles que, minimamente, tem acompanhado o desenvolvimento da historiografia contemporânea, em especial por duas razões: por procurar estabelecer "por decreto" o que é ou não histórico e por apontar como subsídio para essa classificação critérios considerados ultrapassados há, pelo menos, um século. Por esse motivo, a Associação Nacional de História (ANPUH), entidade que congrega os profissionais de história atuantes no ensino, na pesquisa e nas entidades ligadas ao patrimônio histórico-cultural, não poderia deixar de trazer a público a sua inconformidade com a referida Resolução.

Leia documento completo no arquivo abaixo."


Site da ANPUH para baixar o arquivo: http://www.anpuh.org/informativo/view?ID_INFORMATIVO=2494

Ativistas falam sobre o movimento "Ocupar Wall Street"

Ativistas falam sobre o movimento "Ocupar Wall Street", retirado do site Carta Capital



"Quatro ativistas discutem os objetivos do acampamento no distrito financeiro de Nova York. "Deveria estar razoavelmente claro para qualquer um que olhe o que está se passando no movimento Ocupar Wall Street que o objetivo é acabar com a influência corrupta dos extremamente ricos sobre a política democrática. Wall Street controla a América e nós nos opomos a isso", diz o jornalista Jesse Alexander Meyerson, de 25 anos.

Em 17 de setembro, um grupo relativamente pequeno de pessoas frustradas com a crise financeira nos EUA e com a resposta que o governo do país deu a ela, acampou no Parque Zuccotti, na cidade de Nova York – próximo ao local onde estavam as Torres Gêmeas e próximo a Wall Street.

Uma semana depois, os nova-iorquinos começaram a acampar, 80 manifestantes foram presos e ao menos quatro foram atingidos por sprays de pimenta da polícia, quando marchavam pelo distrito financeiro de Nova York.

Depois de duas semanas, milhares de manifestantes se dirigiram à Ponte do Brooklyn e 700 foram presos, enquanto marchavam diretamente pelo famoso vão que dá nos bairros nova-iorquinos de Manhattan e do Brooklyn.

A ação se tornou conhecida como “Ocupar Wall Street”, um trending topicque se tornou viral no Twitter, no Facebook e, como os organizadores esperavam, nas ruas.

Enquanto esse texto era escrito, pessoas de aproximadamente 70 outras cidades dos EUA estavam tomando ou planejando tomar as áreas próximas aos centros financeiros, e acampando, marchando e tomando decisões coletivas a respeito de como fazer o melhor uso deste momento, usando o “Ocupar Wall Street” como exemplo. Ações de solidariedade estão ocorrendo ou sendo planejadas no Reino Unido, na Alemanha, na Austrália e na Bósnia.

Mas os aspectos principais desse movimento de ocupação de Wall Street permanecem indefinidos. O grupo não produziu nenhum conjunto de demandas e se orgulha de reunir as pessoas com base numa questão, em vez de visando a um objetivo.

A Al Jazeera falou com quatro ativistas que estão participando do movimento crescente de “ocupação” nos EUA, para ter algumas respostas a respeito de suas motivações, processos de tomadas de decisões, esperanças e dados demográficos.

Elliot Tarver (E.T), 21 anos, é um dos que tem participado da Ocupação de Wall Street organizando o processo desde o planejamento do primeiro encontro, no começo de agosto, e tem estado nas manifestações quase diariamente.

Jesse Alexander Meyerson (JAM), 25, é um jornalista de Nova York que está trabalhando no comitê de apoio ao trabalho da Ocupação de Wall Street.

Mohamed Malik (MM), 29 é ex-diretor executivo do Conselho de Relações Islamo-Americanas no sul da Flórida e hoje está desempregado, organizando o movimento Ocupação de Miami, no estado da Flórida, que está para ser lançado em 15 de outubro.

Malcom Sacks (MS), 22, é um ativista nova-iorquino que tem participado da ocupação do Parque Zuccotti.

AlJazeeraVocê poderia explicar, da maneira mais simples possível, o propósito do movimento Ocupar Wall Street? O que vocês estão comunicando e o que significa ter um protesto sem um objetivo definido?

ET: Ocupar Wall Street é um movimento crescente de pessoas que se juntaram por várias razões diferentes – é bastante amplo e não há qualquer estabelecimento explícito de demandas, embora implicitamente, ao se estar em Wall Street tomando a rua com todas as ações que temos feito, estas sejam pessoas que estão com raiva do modo como as corporações e a política e o dinheiro controlam as suas vidas e a sua maneira de viver e respirar e como funciona a sociedade, e que tem algum tipo de visão de um mundo diferente que existe além da ganância, do racismo, do patriarcalismo, do poder corporativo e da opressão política.

MS: Esta é uma expressão da frustração diante do sentimento de que o processo político está sendo comandado por interesses econômicos e em particular pelas corporações gigantes.

MM: Quando as pessoas usam a palavra “ocupar”, o que elas querem dizer é: trazer as pessoas para o papel no qual elas produzam realmente decisões políticas, sobretudo no que concerne à economia e ao nosso bem estar. O modo como as instituições operam no tipo da sociedade em que vivemos não é muito condizente com altos níveis de participação democrática. Eu penso que as pessoas se sentem frequentemente deixadas de lado, desconectadas. Nós temos essas elites em nossa sociedade que na verdade nos fazem questionar se vivemos de fato numa democracia, ou se na verdade vivemos numa plutocracia – um país controlado pelas elites? Neste caso, por uma elite econômica.

JAM: Deveria estar razoavelmente claro para qualquer um que olhe o que está se passando no movimento Ocupar Wall Street que o objetivo é acabar com a influência corrupta dos extremamente ricos sobre a política democrática. Eu realmente não acredito que as pessoas não entendam o que está em jogo aqui. Wall Street controla a América e nós nos opomos a isso.

Só porque não há uma determinada carta de exigências passando de mão em mão, ou alguma lei a ser anulada, isso não deveria nos fazer acreditar que é de algum modo não unificado ou um gesto sem sentido. O sentido está claro.

[Ocupar Wall Street] não é apenas um protesto político, mas também um modelo de sociedade, o que eu penso que é o protesto político verdadeiramente interessante – isto é a própria demanda.

Houve movimentos sociais plenos de sentido antes, sem serem unificados, sem terem uma lista coerente de demandas, e houve movimentos, antes, nos quais as demandas levaram anos para serem desenvolvidas – ao passo que a ocupação [de Wall Street] durou 16 dias até agora.

Em 1949, seria inconcebível que, em 1968, camaradas negros tivessem o direito de votar...Assim como no fim de dezembro de 2010, não havia um só americano expert ou estudioso do Oriente Médio prevendo que, por volta de 25 de janeiro, a Praça Tahir, no Egito estaria fervendo de gente e que, não muitas semanas depois, Hosni Mubarak teria sido deposto.

AlJazeera: O alvo é claro: Wall Street e os americanos mais poderosos e ricos que tomam as decisões que causaram ou levaram adiante a crise econômica. Quem está participando?

MS: Em geral, todos os sequelados da crise econômica, nos EUA, ao menos; é um tipo de resposta à crise econômica que finalmente está atingindo as pessoas. Eu penso que isso é um reflexo dessa crise. As pessoas não brancas nos EUA tem vivido num certo estado de crise, em termos de desemprego e falta de representação política e de falta de apoio do estado frente as suas dificuldades econômicas, nas últimas centenas de anos. Finalmente [esta crise, agora] aparece como crise para a maioria, inclusive a classe média e os trabalhadores brancos, e é por isso que temos visto pessoas brancas à frente das manifestações e ocupando espaço nesses protestos.

ET: Mesmo que a maior parte do espectro demográfico do grupo tenha começado com a classe média branca e com estudantes de graduação, o quadro se tornou muitíssimo mais diverso. Mesmo que isso tenha mudado, as pessoas que se sentem apoderadas e que tem condicionado toda a sua vida para se sentirem confiantes, confortáveis, líderes de um grupo e para falarem para centenas de pessoas são mais aquelas pessoas oriundas de posições privilegiadas – homens brancos em particular – e eu penso que isso é algo que precisa ser fortemente enfrentado.

AlJazeera: Como o grupo decide levar adiante alguma ação específica? Qual é o processo de tomada de decisão do grupo?

ET: O processo é a realização de assembleias gerais duas vezes por dia. Qualquer pessoa pode fazer uma proposta, uma declaração, ou ter um ponto a defender, e as coisas são decididas por consenso.. em vez de simplesmente ser eleito um grupo de líderes que irão decidir as coisas juntos, em seu pequena bolha fechada.

Uma grande tarefa é traduzir a nós mesmos e nos tornarmos mais acessíveis às pessoas que não entendem de fato o que significa tomar decisões horizontalmente – o que significa que não há um líder único que tenha controle e diga a todos o que fazer.

MS: Eu discordo. Estou hesitante em dizer que não há hierarquia, que não há liderança, porque eu realmente penso que há um núcleo de pessoas – jornalistas – que estão fazendo muito da organização e dando uma forma à imagem pública da coisa. Eu e outros camaradas temos encontrado resistência nas lideranças para incorporarem outras ideias ao trabalho e para pensarem criticamente a respeito do que está acontecendo.

Tentamos falar com um dos camaradas da mídia a respeito do problema de não haver gente não branca no movimento e o do problema dessas pessoas não se sentirem confortáveis em participar, e houve resistência da parte deles em reconhecer isto. Eles afastam as críticas dizendo: “Se alguém quiser se envolver pode se envolver. Se quiserem ser representados, eles simplesmente vem e podem fazê-lo, também”. Eu penso que isso é denegar a dinâmica real do poder que está em jogo agora. Eu não estou certo de se este é um modo de a liderança afastar a responsabilidade ou se eles realmente não pensam que estão exercendo poder no movimento.

AlJazeera: Vários sindicatos e organizações não lucrativas estão planejando uma marcha, no dia 5 de outubro, em apoio ao movimento Ocupar Wall Street. Só o sindicato dos trabalhadores no transporte público de Nova York representa 38 000 trabalhadores. O que isso significa e por que é importante?

ET: Eu acho que será realmente grande a marcha, em termos de mobilização das pessoas – pessoas provavelmente mais afetadas por um grande número de medidas de austeridade a que estão respondendo. Eu acho que isso tem um potencial de mudar o espectro demográfico do protesto – ao trazer trabalhadores e mais pessoas não brancas.

JAM: Eu acho que os sindicatos de trabalhadores e outros grupos viabilizam e fornecem a engrenagem para as necessidades daqueles que não têm voz, para os empobrecidos, etc., reconhecerem que esse movimento Ocupar Wall Street que está chamando a atenção de todo o país e todo o mundo tem pessoas realmente comprometidas, que não têm se sentido mobilizadas a dar outras respostas à crise.

De um modo mais cínico e insensível, pode-se suspeitar de que o que as grandes instituições querem é se aproximar, cooptar o movimento, impor a sua agenda a quem está na luta. Mas no meu modo de ver mais generoso, o que eu diria é que os sindicatos ajudariam esse movimento a crescer e expandir e a conseguir criar um movimento social ampliado, porque eles reconhecem que estamos em busca da mesma coisa: a classe oprimida e o desmantelo do poder dos ricos sobre a política.

AlJazeera: Olhando para a frente, o que podemos esperar do Ocupar Wall Street?

MS: Alguém ontem foi citado, dizendo: “ficaremos aqui enquanto pudermos”. Mas isso significa que, assim que eles disserem “vocês não podem ficar”, todo mundo vai embora? Você não pode de fato dizer qual a direção que essa coisa está tentando tomar, ela está simplesmente buscando existir. Eu sou cético a respeito de onde isso pode dar, mas apoio o movimento, porque penso que está claro que a sua existência, mesmo que não vá a lugar algum, é de muita importância.

ET: Agora está crescendo diariamente e o seu fim não parece próximo.

Tradução: Katarina Peixoto"


veja mais no site: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18627

Sobre o conceito de cultura

Por Idelber Avelar, Revista Fórum

“Cultura” é daquelas palavras escorregadias, aparentemente simples, que com frequência são usadas com sentidos não só diferentes, mas antagônicos. Mais produtivo que estabelecer qual é a definição “correta” de cultura seria observar quais os sentidos adquiridos pela palavra ao longo do tempo e o que eles nos dizem sobre os seus referentes no mundo real. É o que tento fazer na coluna deste mês.
Palavras-Chave, do marxista britânico Raymond Williams, obra publicada no Brasil pela Boitempo, é um ótimo guia do assunto. “Cultura” vem do verbo latino colere, que combinava vários sentidos: cultivar, habitar, cultuar, cuidar, tratar bem, prosperar. Do sentido de habitar derivou colonus. Têm, portanto, origens comuns as ideias de colonização, culto e cultura. Já em Cícero (106 a.C. - 43 a.C.) aparece o sentido de cultura como “cultivo da alma”, mas é mesmo a partir do Renascimento que se consolida a analogia entre o cultivo natural e um desenvolvimento humano. É nesse sentido que Thomas More, Francis Bacon ou Thomas Hobbes, nos séculos XVI ou XVII, falam de “cultura da mente” ou “cultura do entendimento”. É uma metáfora derivada da analogia com o sentido material, agrícola do termo.

A naturalização dessa metáfora fez com que se cristalizasse o sentido de cultivo humano, e nos séculos XVIII e XIX o termo “cultura” começa a aparecer como autossuficiente, dissociado do objeto desse cultivo. Até o século XVIII, tratava-se sempre da cultura de alguma coisa, fossem plantações, animais ou mentes. A partir daí, segundo Williams, “o processo geral de desenvolvimento intelectual, espiritual e estético foi aplicado e, na prática, transferido para as obras e práticas que o representam e sustentam”. Em outras palavras, firma-se ali o sentido de “cultura” como um bem que alguns possuem e outros não. Esse sentido permanece conosco, quando dizemos que alguém é “culto” ou “tem cultura”. É uma acepção excludente da palavra, que com frequência ganha contornos, inclusive, aristocráticos.

Com a antropologia, no final do século XIX e, especialmente, no século XX, volta-se às raízes materiais do conceito de cultura, mas agora com ênfase na sua universalidade humana. “Cultura” passa a ser entendida como o conjunto de valores, crenças, costumes, artefatos e comportamentos com os quais os seres humanos interpretam, participam e transformam o mundo em que vivem. Nenhuma comunidade humana está excluída dela, embora, também com a antropologia, solidifique-se o processo que faz de “cultura” um substantivo passível de ser usado no plural. As culturas humanas são múltiplas, diferentes, irredutíveis entre si e, acima de tudo, não são hierarquizáveis. Na acepção antropológica do termo, não há sentido em se falar de mais ou menos cultura, ou de culturas superiores ou inferiores a outras. Há uma veia radicalmente relativista na concepção antropológica de cultura, que se realiza em sua plenitude na obra de Franz Boas, mestre de Gilberto Freyre.

Nos debates sobre política cultural, é sempre instrutivo observar com qual sentido cada interlocutor usa o vocábulo “cultura”. Do ponto de vista antropológico, não teria sentido dizer, por exemplo, “levar cultura para o povo”, posto que qualquer povo está inserido em sua cultura — ele não seria povo sem ela. Mas é frequente que assim se designe a função dos Ministérios ou das Secretarias da cultura. Tampouco teria sentido, exceto na acepção excludente e aristocratizante apontada acima, falar de “produtores de cultura” como uma classe à parte, diferente daqueles que seriam seus meros consumidores. Mas não é incomum, em discussões sobre política cultural, a desqualificação de interlocutores como sujeitos que supostamente estariam “fora” da cultura ou que não seriam “da área” da cultura. Ora, não há seres humanos vivendo em sociedade que estejam fora da cultura.

O uso excludente do termo se reproduz quando se igualam os “produtores de cultura” à chamada “classe artística”. Essa é a sinédoque — redução do todo a uma de suas partes — que me parece mais daninha nas discussões sobre política cultural. A cultura é a totalidade das formas em que um povo produz e reproduz suas relações com os sentidos do mundo. Reduzi-la às indústrias cinematográfica, teatral e fonográfica é reeditar a exclusão segundo a qual alguns produzem cultura e outros a consomem. Implicitamente, é ignorar e desprezar o fazer cotidiano de milhões de brasileiros. Não há por que um pequeno conjunto de profissionais das citadas indústrias, concentrados principalmente em duas cidades brasileiras, se apresentarem como os representantes da área de responsabilidade do Ministério da Cultura. Essa redução atende a interesses nada republicanos e é incompatível com uma concepção democrática de cultura.
Um Estado que tivesse democratizado completamente sua concepção de cultura seria então, no limite, um Estado em que cineastas, atores e compositores não fossem percebidos como sujeitos da cultura mais que pedreiros, domésticas ou camponeses. Seria um Estado em que a conversa jamais incluísse expressões como “pessoas que não são da área da cultura”. Seria um Estado onde a ideia de “levar cultura ao povo” não fizesse sentido. Seria um Estado que soubesse encontrar, valorizar e construir pontes entre os muitos fazeres culturais que já estão acontecendo em seu território. Um Estado onde seria impensável que um agente do poder público se apresentasse como representante dos “criadores de cultura”, a não ser que com essa expressão o agente se referisse à totalidade dos que vivem sob a égide desse Estado. Seria um Estado que genuinamente captasse a cultura como a totalidade dos sentidos do fazer humano.

Mais que nomes, cargos, tendências, correntes e conchavos, os acalorados debates em torno do Ministério da Cultura que têm tido lugar no Brasil nos últimos meses são uma oportunidade para que se repense essa questão de fundo: qual é a compreensão de cultura que queremos, quais são as visões e conceitos de cultura que fazem justiça à nossa experiência como povo.

Confira no site: http://www.revistaforum.com.br/conteudo/detalhe_materia.php?codMateria=9253/sobre-o-conceito-de-cultura-